Blog de frestras. Não é diário íntimo. Para jogar as imperfeições no circo, desentupir excessos, fazer uma calçada.

terça-feira, março 28, 2006

Inferno astral I

Uma amiga me sugeriu: vá para a rua
chute postes, chute latas,fale sozinho
E eu falei 

com os postes, com as latas,
 
(Não tinha ninguém pra chutar)
 
Chutei sozinha 
 
uma canela imaginária de um crápula qualquer
a cara sem vergonha de um opressor inexpressivo
a barriga-mala de um canalha vira-latas
 
E a resposta veio da rua: faça um poema
      Qualquer 
Umas palavrinhas assim irrelevantes que te façam acreditar 
 
Que é muito melhor fingir
Do que se desesperar a vera
 
Cum diabo dum inferno astral

De bóia na corrente

Esses dias, uma das únicas 3 ou 4 pessoas que lêem esse blog me mandou um poema que, segundo ela, ele, belo leitor, diz que lhe lembra “Aprendendo a Nadar”, logo ali embaixo. Quer dizer, Aprendendo a Nadar lhe lembra este poema, obviamente. Lembra, meu amigo, mas é óbvio que a versão ai Angla é infinitamente melhor...

The Current

These fish have no eyes

these silver fish that come to me in dreams, 
scattering their roe and milt 
in the pockets of my brain.
 
But there's one that comes-- 
heavy, scarred, silent like the rest, 
that simply holds against the current,
 
closing its dark mouth against 
the current, closing and opening 
as it holds to the current.


quinta-feira, março 23, 2006

A palavra

Meu namorado diz que hai kai tem três linhas

Não importa o tamanho de cada uma

Mas ele também não diz que é meu namorado


Aprendendo a nadar

Debaixo daquele trilho que caminhava rumo à confirmação

das promessas percebidas ao primeiro metro e meio de idade

Passava um rio de estímulos e desestímulos


Um rio de fluxos pelejantes, multidirecionais,

de correntes frias e quentes, de peixes grandes e pequenos

de dúvidas, e dúvidas, que teriam a ousadia de um dia,

por muita inconsequência ou força

chegarem ao mar e tornarem-se convicções?

terça-feira, março 21, 2006

Cesária

Quando as ancas da tua voz balançam e te iluminam as vestes austeras

é como se uns pássaros patriarcas te pusessem os ombros de fora

em noites de ininterrupta lua grande


A falta de pressa de quem chega por acaso no centro de uma américa com S maiúsculo

a dança entre os corpos que não precisam se consumir

fatia encharcada de uma fruta qualquer que só se apaixona no verão

rapariga desolada que se sonha num cabo que seja verde

segunda-feira, março 20, 2006

Feliz no amor

Diz na última página

De uma revista semanal

Que aconselha para o amor

Exija pouco

Dê muito


Que faz bem pra pele

Todo mundo sabe


E como quem não sabe

É, afinal,

quem ama?


Mistérios dos astros

Mas dizia, na revista das estrelas


Onde não tem amor

Põe amor,

Que amor voltará


Não amarás


Se não matares

A rainha que carregas

Se o burro é quem carrega


Se o diabo nunca te carrega


Que rainha é rainha

E Princesa é princesa

Já dizia minha tia

"Não Case"


sexta-feira, março 03, 2006

A pinça

Acordou pro encontro quando achou, entre os escombros do cômodo amedrontado – por pouco -, uma pinça de pontas afiadas. Par de ferros. Escura do desuso dos anos, esquecida no inventário dos ouros, oportuna – lembrou-se de quando era jóia.

Segurando-a com desajeito entre dedos endurecidos, encontrou-a útil, abriu olho e olho. Alumiou-se de ter os tempos de novo, clarear: Festinha de pirilampas circenses.

Toda nova de passadas, encontrou um futuro cheio de estalos e jeitos. E lembrou-se no peito de quando a cortina tinha cores engomadas.

Mas era agora no cômodo. Obras completas e projetos não durariam. Era agora no cômodo e, por um instante, por um ratito de ponteiros, sentiu a vista poderosa de filtros e lentes - arrecadaria toda a fortuna espalhada da rua, e o asfalto quente, cinza, e concreto, e tudo.

Encantou-se sozinha. Chegou que saberia como preparar uma água nova e cândida, e oxigenada como a boca de uma criança limpa da escandinávia, mesmo sem nada por perto.

E entenderia. :

Com ela teria o modo enviado para regar, sem desafino, um jardim abandonado.