Blog de frestras. Não é diário íntimo. Para jogar as imperfeições no circo, desentupir excessos, fazer uma calçada.

sexta-feira, junho 05, 2009

A vida animada dos amuletos


Minha avó uma vez me deu um amuleto que nunca pensei em usar no peito
um amuleto católico, um santo na frente e outro no verso.

Com a cara sofrida e generosa dos santos. Austera e cheia de compaixão como se pintam todos os santos
católicos, de barro ou de gesso.

Mesmo assim, carreguei comigo o amuleto prá cima
prá baixo, do norte ao oeste das minhas caminhadas
de vez em quando perguntando prá ele

"qual é a sua graça?"

"Por que acreditam tanto em vocês?"

Mesmo assim carreguei prá todo lado, de sul a nordeste,
sob neve, solstícios e estátuas turísticas. Em testes, começos e crises
Em vésperas de explosões e provações, em começos
e desfechos

Sempre que algo me dizia: dá tudo.
Eu fui carregando o amuleto
sempre com ele ali quieto e eu com esperança
de sua utilidade se anunciar em momentos difíceis, delicados,
sempre que chegavam esses dias D

Eu apostava mais um pouco num poder misterioso e crucial
que vinha da crença de outros, não eu, que não sou nem católica
nem apostólica
e muito menos romana.

Mesmo assim, carregava comigo e sempre que podia
fustigava mais um pouco quem morava naquela casa de símbolo vaticânico
o meu amuleto
Afinal, só um símbolo?

O começo da vida de um amuleto é mesmo meio vazio: só cabe a enormidade da fé do que presenteia: querendo que as coisas dêem certo, até para nós, presenteados.

Os anos se passam, minha avó já morreu. Mas o amuleto católico continua comigo. Prá cima e prá baixo.

Não sou católica. E não convivi o suficiente com a minha avó.

Mas hoje penso que o espectro do amuleto é progressivo: quanto mais tempo, mais sentido cabe nele. E sentido de bem querer assim acumulado acho que deve virar, por fim, magia.

É então a força do bem querer que faz a mágica caber até num pedaço de plástico?

Um amuleto pode ser de plástico ou de ferro. De madeira, cristal, de ossos.
Não importa a matéria, até de sonhos e lembranças.

Mas tem que ser de matéria que te acompanhe, prá ganhar vida animada.
Que você pegue, e seja possível sentir algum movimento no coração. Nem que seja nossa auto-indução de querer que ele, finalmente, bata.
Prá dar vida a um amuleto ele tem mesmo que ser pleno de bem querer, pois contra a corpo fechado da incredulidade só mesmo o desejo faz sentido virar magia. Até a católica.