Blog de frestras. Não é diário íntimo. Para jogar as imperfeições no circo, desentupir excessos, fazer uma calçada.

sexta-feira, setembro 28, 2007

Roots

O tempo é um bicho sem corpo
toma a forma das relações
e as molda

traiçoeiro e mágico

revelador de tendências também
mostrando muitas vezes o que é e não está na cara
criando fatos que não existem também
circense

E a gente sozinho, molda o tempo?

Tai coisa prá se descobrir
Se a gente molda o tempo
ou molda só o que o tempo faz com a gente

Dizem que a liberdade mesmo é essa...

Já o amor
Amor é tatuagem
registro
do tipo que o laser não tira

acredito nisso
ai está a força das relações verdadeiras
cultivadas com delicadeza
sobre afinidades e admiração

as sintonias se afinam e desafinam
olha o tempo ai de novo

mas o amor
o amor
o amor
é mais poderoso que o tempo

Em algum lugar
desse mundo nosso
que cresce cada vez mais
estamos juntas.

Para minha amiga Bruna, onde ela estará.

segunda-feira, setembro 10, 2007

A inviabilidade do ser humano - I


Não é que não quisesse abrir a porta da varanda, não é que estivesse de má vontade. Não é que não pudesse abrir a porta da varanda porque Marcel pedira. Estava com má vontade.

Evidentemente não me custava esticar um braço, ou até um dedão do pé e deixar o vento passar e fazer meu marido sentir que hoje era Sábado. Era propriamente lembrar que aquele ritual seria cumprido da mesma maneira que nos demais sábados dos últimos X anos que me irritava os órgãos mais profundos.

Por que ele não me pedia para sentir que no mundo ventava em qualquer outro dia? Por que só aos sábados ele podia tomar 15 minutos daquele vento e depois se levantar, tal qual uma aranha bailarina para agoar as plantas, como se só aos sábados fosse dado às plantas Ter prazer, como era com ele. Ele imaginava que só aos sábados ventaria?

Os sábados com Marcel eram como contos de fadas sem fadas. Nem literatura. Só os contos, que ele inventava para dizer que tinha “qualidade de vida”. Contava quantos minutos se daria à rua, quantas calorias adquiriria em 3 copos de vinho no almoço com os pais, contava as horas para ver um joguinho e futebol básico depois da sobremesa, que comia como se fosse a última grama de ópio da Indochina. Mas só aos sábados. Contabilidade disfarçada. Nos demais dias era qualquer coisa: qualquer amendoim no lugar do almoço era justificado pela sua enorme vontade de ser eficiente. Nos demais dias faltava tempo para viver.

Já aos sábados não. Os sábados com Marcel era quando provávamos as cores da vida. Em cápsulas. Um chimarrão que fritava nossos cérebros num dia de verão, para lembrar seus avós argentinos. Meia hora de música clássica para relaxar, uma leitura dinâmica da Folha de São Paulo porque, afinal, “quem pode perder São Paulo de vista?”

Meu marido parecia Ter muita visão aos sábados. Já os sábados com Marcel só podiam ser vistos da janela dos vizinhos. Dali nossas vidas deveriam parecer um lindo prisma desses de vidros que, pendurados, refletem cores para todos os lados. Mas era eu que estava naquele móbile geométrico, pendurada há x anos. E dali de onde estava, não aguentava mais a idéia de que para distribuir cores para os outros, as peças do nosso cotidiano precisassem ser tão matematicamente sobrevividas.

Novembro, 2005.