Blog de frestras. Não é diário íntimo. Para jogar as imperfeições no circo, desentupir excessos, fazer uma calçada.

quinta-feira, dezembro 31, 2009


Nessa virada de ano velho para novo repito aos amigos que lhes desejo inspiração

e também saúde

não paz

Que as coisas mesmo não têm paz

Pouco útil desejar algo que não depende tanto da gente, mas

Quem sabe

o que o coração precisa nesse novo ano?

Quem sabe

se é só mais um ano, ou quem sabe o último?

Quem sabe o primeiro do resto das nossas vidas?

Quem sabe um novo caminho das pedras, que mudam a cada ano centímetros invisíveis, e fazem toda a diferença para quem pisa?

Vai saber o que vem pela frente, quando tanta coisa ainda ficou pela metade

Quem sabe

Se para trás vem gente

O ano novo não é todo novo

Nem capaz de virar todas as páginas

mas é uma grande chance, pela força do mundo em celebração às meias noites

prá gente tentar fazer movimentos fortes, quando necessários

Naquele dia os deuses dançam mais

E os homens se inspiram mais

A terra não pode ficar passiva a tanta expectativa, e é hora de pedir por giros grandes, ou pequenos

Quem sabe?

Difícil é querer uma “vida nova” inteira de um segundo prá outro.

Ou quem sabe

Pode ser fácil

quarta-feira, dezembro 30, 2009

Baldinho Comunista da Soberba

Tenho um balde cravejado de pedrinhas cintilantes pronto para despejar as águas dos outros Ali cabem rios de lamentos, lágrimas de alegria, cascatas de combates, gotículas de segredos, riachos de mágoas jatos de alegria. No meu baldinho cabem confissões e carinhos, medos e desesperos, promessas e remédios de além mar. Cabem cobras e lagartos, que nadam sem fim tentando virar sereias-libélulas que abandonam seus pântanos para voar em busca de vida nova Cabem princesas vaidosas e príncipes mirins, reis e rainhas que querem dominar o mundo, orgulhosos de seus corações e justiças. Cabem guerras e golpes, cabem até a mentira com fundo falso e o olho gordo disfarçado de admiração, cabe sim, cabe o não. Cabem escoadeiros de insossegos, valsas de solidão, brumas de além vida e ventos de transformação cabem planetas futuros e feudos passados, gregos, fenícios e magnatas de amor Cabem estradas perdidas e anões bem intencionados, velhinhas com suas memórias de lã e cachorros sarnentos em busca de alguém prá chamar de seu. Cabe muita coisa. Meu baldinho é cravejado de pedras para brilhar no escuro entre cegos e maltrapilhos. Para ser encontrado no meio da noite por andarilhos que querem viver. Para substituir o caledoscópio perdido de magos no ostracismo, para cintilar o que não é ouro. Meu baldinho de pedrinhas cintilantes cabe muita coisa, e dizem que é até divertido lá dentro. Mas tem que saber pedir prá entrar. E prá voltar, depois de uma traição, tem que saber rezar muito bem o perdão.

soberbo adj soberbo, soberba [su'berbu, su'berbɐ]
1 arrogante
uma atitude soberba
2 grandioso, magnífico uma vista soberba

terça-feira, dezembro 01, 2009

Stop making movies out of your life


Faz poucos dias encontrei uma senhora que trabalhou perto de mim há alguns anos.

Ela vinha caminhando lentamente e com esforço pela rua, por um bairro que não era nem o meu nem o dela. Caminhava pesado, como se lhe faltasse o ar.

Eu a olhava fixamente, e continuei caminhando em sua direção, esperando que me subisse o olhar para cumprimentá-la. Ela seguia seu ritmo. Mas só quando chegou muito perto de mim levantou a vista. Naquele momento lhe escorreu uma gota pesada de suor entre os dois olhos. Sorriu prá mim.

Sorriu muito sem abrir os olhos, mas abriu os braços prá me encontrar.

Sorri também, abri também meus braços, larguei a sacola que carregava, senti seu corpo quente no meu. Tantos anos, tanta coisa. Ela se chamava Maria.

Maria também sentiu aquele calor do nosso abraço, e a gota escorreu pela sua bochecha, tocando a minha. Meu peito encheu. Eu queria prolongar aquela sensação do seu corpo gordo cheirando a leite de rosas, igualzinho há anos atrás. Aquela umidade fresca e confiável de Maria.

Mas não durou, Maria foi se distanciando de mim e se saiu do abraço, soltando meus braços aos poucos, os olhos baixos de novo.

Eu quis abraça-la de novo, queria abraçá-la mais forte, queria sentir de novo aquilo escorrendo no rosto. Mas ela não sorria mais, os olhos baixos, ajeitando a sacola no ombro, foi se recompondo. Será que era tristeza aquilo? Emoção? Eu não entendia por que ela estava tão constrangida. Foi quando levantou os olhos, em um sorriso sem graça e disse: “estou tão suada minha filha... eu suo tanto.” E mal consegui manter o sorriso do encontro. Maria estava com vergonha de estar suada! Com vergonha de me abraçar porque estava suada.

Meu coração parou por um segundo. Uma gota escorreu dos meus olhos. Meu deus do céu, que mundo é esse? Não tentei mais abraçá-la. Só consegui pegar nos seus dois braços e dizer prá ela: “todo mundo sua muito nesse país nesses tempos, Maria” e segurar meu choro enquanto pensava que "quem não sua mais é que tem que se envergonhar, Maria".