Blog de frestras. Não é diário íntimo. Para jogar as imperfeições no circo, desentupir excessos, fazer uma calçada.

quarta-feira, dezembro 14, 2005

Entressafra

Buraco vertical

Na coluna da fartura de sempre


Espaço-rasteira,

que o sempre não existe


Respiro, refúgio

Reconsideração da produção


Estudo, escuro

Espaço virtual entre a promessa e a certeza

segunda-feira, dezembro 12, 2005

A pão dureza do amor

Você tava ali parado com seus olhos contemporâneos: um casal de modernas pupilas, treinadas e independentes, sem nenhum medo da noite do Rio. Aliás, já reparou, você-todinho não têm medo, parece. Tão seguro como aquele poste que apóia teu corpinho gostoso e blasé que concordamos em compartilhar “qualquer hora” dessas. Eu vi quando você pediu mais um chopp escuro e ficou assim com a perna cruzada, bem resolvido como os postes cariocas. E eu, ali de longe, logo pensei que todo mundo tem medo, e que você parecer que nunca tem deve ser por causa desse casamento moderno ai que você arranjou pros seus olhos escorregadios. Pensei só: eles saem sozinhos à noite, têm quartos separados, uma relação aberta. Não gostam das mesmas coisas, mas têm bons hábitos nos fins de semana que passam juntos. Se “completam”. Quando um ta de bode, o outro ta na pilha. Quando um ta de chico, o outro deve pegar alguém ao som de hendrix, quando um tá de autos, o outro tá in. E por ai afora vão, sem te dar muito trabalho, que dizer assim ”EU QUERO”, com todas as letras maiúsculas, dá um trabalho de cão.


Você ali parado no baixo-bairro me esperando com o casal de olhos descolados que dividem um apê muito cool no Jardim Botânico, e eu há uns 20 metros de você, caminhava cada vez mais devagar pra tentar me iludir um pouquinho, e não acreditar que você era mais uma dessas pessoas que têm os olhos esquizofrênicos porque têm medo de amar, e que, ai, isso me daria muito trabalho. Sabe como é, essas pessoas que te querem, te querem, te querem. E não (podem) vão te querer, não (podem) vão te querer não (podem) vão te querer. Ai fazem isso: casam-se os olhos em regime aberto, para que um seduza e o outro reprima, um desfrute, e o outro deixe o carro com a primeira engrenada. Ai, que preguiça da pão-dureza do amor. Mas eu já tava ali na tua frente do poste. Disfarcei minha preguiça, juntei minhas pelancas que nunca mais se atacam e te dei um estalinho na boca assim de lado.

sexta-feira, dezembro 09, 2005

Simone

Então é natal. E era uma vez uma sapatão que ficava só no sapatinho para não acordar sua mãe disse:

- Hi, mom, I’m a lesbian.

Mas Maime não respondeu, quer dizer, não acordou.

Então ela disse:

- Mãe, vou dormir no armário. O Mário levou meu hd.

Então a mãe acordou e disse:

- Porra, cadê meu gim?

- Dei pra avestruz no quintal.

- Mom, a avestruz fugiu. Eu acho que estava bêbada.

- Fugiu bêbada, isso pode dar problemas.

A mãe tossiu, o pai tomou um tiro de catarro e morreu. Mas antes de morrer falou suas últimas palavras

BUUUUUCETAAAAA

BRIOOOOCOOOOOO

BUNDIIIIINHAAAAA,

que tinha acabado de aprender na escola.

- Ta vendo, mom, meu pai é um exemplo para mim.

- E agora, para onde vão nossos heróis?

A mãe responde sem abrir os olhos: - todas as mortes aqui nessa história são metáforas.

Toca o telefone.

Ops. Era a Bia. Ela fala:

- Gente, é urgente. Eu tava aqui na janela e vi o avestruz de vocês, que passou voando.

Então maime disse:

- Q?

- Bia, avestruz não voa. Nossa avestruz não voa. Avestruz nenhuma voa. Ela é muito pesada. Você é muito maluca pro meu gosto.

- No, mom, ela estava de dieta. Tadinha.

- Minha filha, acho que você já tem idade para saber de uma coisa:

- Nossa avestruz sofria de bulimia. Bulimia, a que me tem de regresso.

- Eu também tava querendo fazer esse avestruz vomitar, mas achei que a gente ia entrar na escatologia.

Então ele não se segurou:

- Cara, quero ir pra casa dormir.

- Mas, pai, o senhor já tinha morrido.

- O senhor está no céu, minha filha.

- Então o senhor é a senhora? Estou confusa.

- Eu também.

- E foi aí que Bia revelou o que tanto maime e sapatão temiam ouvir:

- SOU VIRGEM! É urgente.

Autores:

Vou Fazer Xixi

O dela é

Beijo Grego


terça-feira, dezembro 06, 2005

Armação

Dizem que a pior coisa que pode haver para o ser humano é viver sem perspectivas. Certo. Concordo que acordar sabendo que teu dia hoje será como ontem, e que se por ventura a ontem não se assemelhar será porque mimeticamente estará como ante-ontem, ou como algum daqueles dias da semana passada...concordo que viver assim deve ser foda. Ou, mais foda: a falta de perspectiva se dar pelo fato de que nada que imite qualquer dia passado te interesse ou te crie expectativas-frisson porque ontem, ante-ontem ou semana passada, nada disso tem relevância, nada disso foi realmente insitigante... hum, mais foda ainda. Mas tenho a impressão de que pouca gente vive assim hoje em dia. Pouquíssima. Não porque poucos tenham passados relevantes, ou minimamente interessantes a ponto de a idéia de repetir algumas coisitas não vir a calhar, pelo menos de vez em quando... mas porque hoje as coisas todas são tantas coisas, e tudo tão “relativo”, e tudo tão “possível”, acessível, customizado, perspectivado, que o estresse matutino aquela angustiazinha que cola nossas costas um pouco mais no colchão, tem mais a ver com a pressão ou ilusão de que temos “o mundo ao nosso redor”, “a vida pela frente”, “a faca e o quejio nas mãos”, tudo tudo tão ao gosto do freguês que... nossa. Isso me estressa muito.
É óbvio que me sinto a mais mané quando não consigo simplesmente escolher entre uma das promoções de uma loja de fast food qualquer, e quando abro uma revista de programação cultural semanal, marco um monte de coisas e quando recebo a revista da semana seguinte ... putz, me dou conta de que não fiz absolutamente nada do que tinha me proposto na semana anterior! E por de vez em quando as carreiras públicas de alguns “modestos” escritores do século XIX me soarem tão excitantes... mas tenho que confessar que ouvir de Win Wenders na Janela da Alma, aquele filmão, que ele gosta de óculos, não é porque precise da lente, que não a trocaria por uma de contato, mas porque ele precisa da armação, do enquadramento, da restrição... Sensacional. Ouvir isso de Win Wenders me deu assim, digamos, um afago na alma. Talvez a perspectiva de vida contemporânea mais promissora que tenha ouvido nos últimos tempos. Inegavelmente a mais apaziguadora.