Blog de frestras. Não é diário íntimo. Para jogar as imperfeições no circo, desentupir excessos, fazer uma calçada.

segunda-feira, dezembro 12, 2005

A pão dureza do amor

Você tava ali parado com seus olhos contemporâneos: um casal de modernas pupilas, treinadas e independentes, sem nenhum medo da noite do Rio. Aliás, já reparou, você-todinho não têm medo, parece. Tão seguro como aquele poste que apóia teu corpinho gostoso e blasé que concordamos em compartilhar “qualquer hora” dessas. Eu vi quando você pediu mais um chopp escuro e ficou assim com a perna cruzada, bem resolvido como os postes cariocas. E eu, ali de longe, logo pensei que todo mundo tem medo, e que você parecer que nunca tem deve ser por causa desse casamento moderno ai que você arranjou pros seus olhos escorregadios. Pensei só: eles saem sozinhos à noite, têm quartos separados, uma relação aberta. Não gostam das mesmas coisas, mas têm bons hábitos nos fins de semana que passam juntos. Se “completam”. Quando um ta de bode, o outro ta na pilha. Quando um ta de chico, o outro deve pegar alguém ao som de hendrix, quando um tá de autos, o outro tá in. E por ai afora vão, sem te dar muito trabalho, que dizer assim ”EU QUERO”, com todas as letras maiúsculas, dá um trabalho de cão.


Você ali parado no baixo-bairro me esperando com o casal de olhos descolados que dividem um apê muito cool no Jardim Botânico, e eu há uns 20 metros de você, caminhava cada vez mais devagar pra tentar me iludir um pouquinho, e não acreditar que você era mais uma dessas pessoas que têm os olhos esquizofrênicos porque têm medo de amar, e que, ai, isso me daria muito trabalho. Sabe como é, essas pessoas que te querem, te querem, te querem. E não (podem) vão te querer, não (podem) vão te querer não (podem) vão te querer. Ai fazem isso: casam-se os olhos em regime aberto, para que um seduza e o outro reprima, um desfrute, e o outro deixe o carro com a primeira engrenada. Ai, que preguiça da pão-dureza do amor. Mas eu já tava ali na tua frente do poste. Disfarcei minha preguiça, juntei minhas pelancas que nunca mais se atacam e te dei um estalinho na boca assim de lado.