Blog de frestras. Não é diário íntimo. Para jogar as imperfeições no circo, desentupir excessos, fazer uma calçada.

segunda-feira, junho 23, 2008

"As mulheres e as crianças são as primeiras que desistem de afundar navios"*


Te chamo desde um estranho meio

Sem bits nem bites

Um ponto desértico a se preparar

Um espaço sem carteiro, telégrafo, sem rastro

Prum contato não imediato no espaço


Que nem a mais planejada das infovias proverá

Um estranho meio

Te proponho

Algo muito novo a se pensar do ar


Desde aqui eu te chamo

Pruns acúmulos

de hipóteses e afetos

Informações

Não

cheio de ações


Desde aqui eu inauguro um mundo

De córregos propostas

forjadas em alto-mar

Te proponho

...

Mas não são delivery, as entregas, não se lida assim com os destinos

Se trata de um novo meio a se desbravar

E você tem que me encontrar no meio da estrada

O porto é só um porto

pode parecer o meio do nada

a estrada perdida

mas é assim que é

o princípio da comunicação.





*Frase de Ana Cristina César em “A teus pés”

quarta-feira, junho 11, 2008

O muro das amamentações


“O Eduardo Paes já provou sua competência (...) O Molon é um candidato excepcional, merece todo nosso respeito. A ex-deputada Jandira Feghali é uma pessoa extraordinária.” E mais: O Marcelo Crivella atuou intensamente “em defesa do Rio” e a Solange Amaral foi “extremamente atuante na Assembléia Legislativa”.

Não, não se trata de pacifista ecumênico e estrangeiro apagando incêndios ou tentando nos convencer que a vida eleitoral do carioca é bela...

... é do nosso governador do Rio de Janeiro que, em momento delicado de (in) definição de alianças e nomes para a disputa prá prefeito em 2008 se mostra um tanto generoso na “avaliação” das possibilidades que se apresentam. Irritou n'o "Globo" de ontem.

Que ele está indeciso, isso a gente já sabia, a novidade é termos opções tão “favoráveis”, todas!, nos quadros políticos do nosso estado.

É Cabral, já dizia Pessoa: “Tudo vale a pena...” não é?

Triste.

Foto: Emilio Barbosa



segunda-feira, junho 09, 2008

A lenda da ineficácia e do silêncio das pedras


Relembram o Perfeito e o imperfeito de quando foram separados na infância do tempo

Quando o imperfeito saiu de si e se descolou do perfeito, na primeira cirurgia siamesa da história, assustando a todos os convidados da Festa Das Coisas Sem Nome Nem Moral, e sendo por isso registrado no primeiro cartório da Pólis como "Imperfeito - O Maculador de Paraísos".

Sentados em duas pedras equidistantes do mundo, conversam o Perfeito e o imperfeito sobre suas últimas impressões sobre a batalha dos homens com os deuses no planeta Des-Terra.

Pega fruto na corrida quem decide por fazer a estrada - diz o imperfeito.
Não há estradas sem chegada. Há sempre que se chegar em qualquer lugar. E quem tá ao meu lado, chega antes.- Diz o Perfeito

Quem aceita perder tempo, redime o erro por seu charme - afirma o imperfeito - Quem aceita a beleza possível no esforço do dia é o belo

O ser iluminado é um Bom Selvagem, o Belo que mora no Ser, o indivisível - insiste o Perfeito pro imperfeito, que se inclina sobre sua própria pedra para pensar. Não sabe o que dizer, vê com dificuldade todas as coisas demasiado óbvias e micro-cósmicas do mundo, embora trate crianças como milagres.

Relembra do episódio de sua expulsão do panteão em que vivia colado ao Perfeito, recorda-se do momento em que começou a sentir uma inquietude alucinante, uma palpitação desconfortável e uma curiosidade atroz, uma angústia que lhe perseguia sussurrando que algo fora daquele corpo lhe esperava, um zumbido maquínico, algo insuportável que lhe fez rasgar-se de si num golpe, e descobrir que tinha atributos próprios, que não era semelhante de sua outra metade, o Perfeito. Foi adquirindo outro corpo enquanto o Perfeito, já recomposto, lhe observava, serenamente, nascer.

Desde aquele dia, por seu ato de insurgência, o imperfeito foi condenado a caminhar milênios pelo desterro do mundo que ajudou a criar naquele misterioso ataque epilético de inconformidade, naquela memoriosa separação.

Perambulou errático criando sua identidade nos encontros furtivos que nunca chegavam a dar-lhe casa e comida

Foi marginalizado em todas as épocas, traídos por todas suas amantes, incompreendido

Por propor etiquetas políticas na glutonice dos feudos medievais

foi a guilhotinas

Por pintar arte na foice alheia, na modernidade

foi excomungado, desfiliado, deserdado, ex-patriado

Por não aprender a lucrar com a experiência no capitalismo

não fez poupança, e teve de se reinventar a cada dia

Por vezes se cansava de brincar sozinho

E temia que os caminhantes eternamente solitários não durassem muito

Do outro lado do universo, também o Perfeito se fastidiava de mirabolar sozinho suas festas particulares de certezas e harmonia, em que se embebedava com os elixires que ele mesmo criava em todo seu tempo livre, quando vagueava, também sozinho, pelas nuvens mais lascivas do Poder, em todas as épocas. O Perfeito não precisava de nada, pero tampouco sorria.

Naquela prosa de cima dos mirantes o Perfeito e o imperfeito lembraram-se de como, milhas e milhas depois de definirem-se como definitivamente diferentes, como tão extremos como porosos, decidiram-se por tentar uma reconciliação, mesmo que vivendo em casas separadas, uma reaproximação para diminuir aquele solidão desastrada que já se fazia sentir até pelas pedras.

Lembraram-se, então, de quando fundaram a Humanidade, em modos colaborativos, e cada um dos ex-siameses daria de si umas costelas de contribuição para criar o homem e a mulher, e seus fóruns de negociação. Cada um lhes delinearia algumas marcas próprias e o resto lhes deixariam por sua conta e risco. E assim foi que tentaram resolver seus impropérios de humor.


Não houve mais tédio entre o Perfeito e o imperfeito. Não perderiam, a partir de então, nenhum capítulo do mundo dos homens. Se deliciavam diariamente em apostas sobre os movimentos de suas costelas nas bolsa dos corpos dos homens. Sentavam nas pedras para bisbilhotar as mulheres dando banhos nas delas. Riam-se das teorias inventadas para evitar guerras. Lamentavam as guerras justificadas por teorias. Davam pitacos sussurrados aos seus avatares mortais. Mas abandonavam os surdos, que não resistiam ao mundo a golpe de martelos.

Acabaram tornando as pedras testemunhas-chave da especulação lúdica com que se divertiam com as vidas dos homens, em seus intermináveis debates e torneios. Por isso, condenaram-nas a meros assentos do mundo, mudas e paralíticas, sempre alertas, mas inertes. Mas não puderam garantir que fossem insensíveis, assim, sempre que se sentavam sobre elas para comentar esse mundo, o Perfeito e o imperfeito pediam licença, as saludavam e pediam por seu segredinho original.