Entressafra
Na coluna da fartura de sempre
Espaço-rasteira,
que o sempre não existe
Reconsideração da produção
Estudo, escuro
Espaço virtual entre a promessa e a certeza
Blog de frestras. Não é diário íntimo. Para jogar as imperfeições no circo, desentupir excessos, fazer uma calçada.
Na coluna da fartura de sempre
Espaço-rasteira,
que o sempre não existe
Reconsideração da produção
Estudo, escuro
Espaço virtual entre a promessa e a certeza
Você tava ali parado com seus olhos contemporâneos: um casal de modernas pupilas, treinadas e independentes, sem nenhum medo da noite do Rio. Aliás, já reparou, você-todinho não têm medo, parece. Tão seguro como aquele poste que apóia teu corpinho gostoso e blasé que concordamos em compartilhar “qualquer hora” dessas. Eu vi quando você pediu mais um chopp escuro e ficou assim com a perna cruzada, bem resolvido como os postes cariocas. E eu, ali de longe, logo pensei que todo mundo tem medo, e que você parecer que nunca tem deve ser por causa desse casamento moderno ai que você arranjou pros seus olhos escorregadios. Pensei só: eles saem sozinhos à noite, têm quartos separados, uma relação aberta. Não gostam das mesmas coisas, mas têm bons hábitos nos fins de semana que passam juntos. Se “completam”. Quando um ta de bode, o outro ta na pilha. Quando um ta de chico, o outro deve pegar alguém ao som de hendrix, quando um tá de autos, o outro tá in. E por ai afora vão, sem te dar muito trabalho, que dizer assim ”EU QUERO”, com todas as letras maiúsculas, dá um trabalho de cão.
Você ali parado no baixo-bairro me esperando com o casal de olhos descolados que dividem um apê muito cool no Jardim Botânico, e eu há uns
- Hi, mom, I’m a lesbian.
Mas Maime não respondeu, quer dizer, não acordou.
Então ela disse:
- Mãe, vou dormir no armário. O Mário levou meu hd.
Então a mãe acordou e disse:
- Porra, cadê meu gim?
- Dei pra avestruz no quintal.
- Mom, a avestruz fugiu. Eu acho que estava bêbada.
- Fugiu bêbada, isso pode dar problemas.
A mãe tossiu, o pai tomou um tiro de catarro e morreu. Mas antes de morrer falou suas últimas palavras
BUUUUUCETAAAAA
BRIOOOOCOOOOOO
BUNDIIIIINHAAAAA,
que tinha acabado de aprender na escola.
- Ta vendo, mom, meu pai é um exemplo para mim.
- E agora, para onde vão nossos heróis?
A mãe responde sem abrir os olhos: - todas as mortes aqui nessa história são metáforas.
Toca o telefone.
Ops. Era a Bia. Ela fala:
- Gente, é urgente. Eu tava aqui na janela e vi o avestruz de vocês, que passou voando.
Então maime disse:
- Q?
- Bia, avestruz não voa. Nossa avestruz não voa. Avestruz nenhuma voa. Ela é muito pesada. Você é muito maluca pro meu gosto.
- No, mom, ela estava de dieta. Tadinha.
- Minha filha, acho que você já tem idade para saber de uma coisa:
- Nossa avestruz sofria de bulimia. Bulimia, a que me tem de regresso.
- Eu também tava querendo fazer esse avestruz vomitar, mas achei que a gente ia entrar na escatologia.
Então ele não se segurou:
- Cara, quero ir pra casa dormir.
- Mas, pai, o senhor já tinha morrido.
- O senhor está no céu, minha filha.
- Então o senhor é a senhora? Estou confusa.
- Eu também.
- E foi aí que Bia revelou o que tanto maime e sapatão temiam ouvir:
- SOU VIRGEM! É urgente.
Autores:
Vou Fazer Xixi
O dela é
Beijo Grego
Dizem que a pior coisa que pode haver para o ser humano é viver sem perspectivas. Certo. Concordo que acordar sabendo que teu dia hoje será como ontem, e que se por ventura a ontem não se assemelhar será porque mimeticamente estará como ante-ontem, ou como algum daqueles dias da semana passada...concordo que viver assim deve ser foda. Ou, mais foda: a falta de perspectiva se dar pelo fato de que nada que imite qualquer dia passado te interesse ou te crie expectativas-frisson porque ontem, ante-ontem ou semana passada, nada disso tem relevância, nada disso foi realmente insitigante... hum, mais foda ainda. Mas tenho a impressão de que pouca gente vive assim hoje em dia. Pouquíssima. Não porque poucos tenham passados relevantes, ou minimamente interessantes a ponto de a idéia de repetir algumas coisitas não vir a calhar, pelo menos de vez em quando... mas porque hoje as coisas todas são tantas coisas, e tudo tão “relativo”, e tudo tão “possível”, acessível, customizado, perspectivado, que o estresse matutino aquela angustiazinha que cola nossas costas um pouco mais no colchão, tem mais a ver com a pressão ou ilusão de que temos “o mundo ao nosso redor”, “a vida pela frente”, “a faca e o quejio nas mãos”, tudo tudo tão ao gosto do freguês que... nossa. Isso me estressa muito.