domingo, abril 22, 2007
sábado, abril 14, 2007
O óbvio e o obtuso do amor
Homens no amor não têm a capacidade de lidar com sentimentos na penumbra, abstrações. Precisam ver, se possível tocar e gozar, para terem certeza de que um sentimento existe e é legítimo. Ai acreditam, dão crédito. Mas nesse ínterim de cegueira esbarram em tantas coisas delicadas nas estantes das mulheres colecionadoras, causam tantas pequenas decepções nessas falsas cognatas da compreensão que, por sua parte Y já claros e esclarecidos, em geral pós coito, de nada lhes serve relembrar que na real na real, naquele mundo sem física onde as coisas se armazenam e processam alheios às suas parcas elaborações, que na verdade elas eram, foram, desde sempre, as mulheres de suas vidas. Tarde demais. Nessa confusão, elas não gozaram. E o que vem depois, ninguém sabe. Mas acho que os homens não deviam pagar pra ver o poder de uma mulher decepcionada. Elas raramente aparecem tristonhas. Se muito, algumas vezes desesperadas, mas com uma inventividade atroz: vão ganhando novas e mais novas armas de abstração no amor e quando eles, os Y, vêem, já estão cheios de penumbras novas. E ô ciclo...
quinta-feira, abril 12, 2007
terça-feira, abril 10, 2007
Conselho fosse bom
Se seu pai lhe houvesse presenteado em solene amor o conselho
"vai, minha filha, ser gauche na vida"
ela certamente teria lhe devolvido com doçura
de arrasar muralhas de quarteirão chinês: sim meu pai como não.
E com isso seria obrigada a cochichar pra seus pastores condutores alemães:
pulem o muro. peguem a gauche, a centre e a droite, tout droit, tout droit.
quarta-feira, abril 04, 2007
A gota mais empolgada do oceano
Quando aprendi a ler tive uma sensação muito forte de que nunca estaria sozinha, nem entediada. Senti muito poder na época. Se tivessem me dado uma espada, teria me tornado automaticamente uma tirana mirim, sem saber por onde extravasar aquela energia da descoberta, do poder, a certeza de que ganharia o mundo inteiro naquele mesmo instante. Talvez tivesse furado a barriga de alguém que gostasse muito, como um cachorro que ama muito a gente chegando de uma longa viagem, e por isso morde nosso calcanhar. Depois, muitos muitos anos mais tarde, quando nas trevas de uma inflamação no cotovelo uma amiga mirim me ensinou que doía menos quando a gente vivia a dor somente do dia, nunca pensando que aquilo podia durar pra sempre, fui lá ver, e olha... doeu menos, muito menos. Então foi ai que minhas dores com origem no coração passaram a sofrer pequenas lavagens cerebrais, para aos poucos se adaptarem ao método dos que sofrem anônimos: só por hoje.
Pois isso de pensar na dor do dia me fez querer experimentar-me uma pegadinha, que era se sentindo a alegria do dia então o efeito podia ser o contrário: muito mais alegria por não pensar que amanhã ela podia ser menor. Sem lembrar que ontem também não tinha sido capaz de ser tão felizarda, e que, portanto, ela tinha mesmo que ser retida AGORA. Hum?
Tcham. Tcham. Tcham. Nossa, não é possível, é: deu certo. A alegria do minuto é mais intensa quando a gente não perde nem um segundo dela tentando adivinhar como ela vai estar depois do almoço: mais apagada, menos colorida, mais baixinha e nariguda. Nada. Se ela só existiria agora, então, teria que ser presenciada completamente... agora. Muito bom. Gostei muito mesmo disso.
Ai me veio aquela ambiçãozinha capitalista de fazer a mesma coisa com cada bom momento. Alegria, prazer, qualquer boa sensação: será que dava certo fechar os olhos laterais e congelaresse bem estar no presente momento em que ele derrete? Mesmo com tudo que acontece em volta e dentro da vida, dava prá fechar os olhos do medo, do futuro, do capitalismo, dos traumas, do passado e da gente chata que não deixa a gente brincar de ser feliz e não perder nem um segundinho, nem uma purpurina de centésimo desse prazer? Será que dava?
Tarátatá-catimplum! Ai.
A primeira vez que deu foi um troço muito forte pro meu coração, ele ficou tão desorientado e grande que se constrangeu: procurou os cotovelos, as dores, o chefe do futuro, o cachorro que a gente ama e que um dia morre, mas nada. Dava certo. E ai veio, de novo, aquele impulso de ganhar o mundo.
Sem a espada, e mais politicamente correta, não tive aquela vontade desastradada de atacar ninguém com minha euforiazinha canina. Ai acho que já era adulta, né? E no entanto, até agora ainda não sei descrever com maturidade aquela sensação de ser tudo feliz só por agora, só sei que foi muito parecida com a de quando aprendi a ler.