Blog de frestras. Não é diário íntimo. Para jogar as imperfeições no circo, desentupir excessos, fazer uma calçada.

quarta-feira, maio 30, 2007

O Deserto do Real


Ato X – Cena Humana

Interior - Noite



Papo de A - São os erros que nos confirmam a humanidade.

EB -...um tique nervos ou um tique nervos ou m...tii,,,

Papo de A - São os erros que nos confirmam a humanidade!

EB -...um tique nervos ou um tique nervos ou m...

EB -... Tudo bem. : os tiques são curtos-circuitos do pensamento racional. O pensamento racional se organiza sobre nervos. Nervos produzem tiques. Pensamentos, tiques e erros. São os erros que nos confirmam a humanidade. Hum?

EB - ...tique nervos..

EB pára repentinamente de balançar o tronco prá frente e para trás.
Encara Papo de A:

EB - Então são os tiques e erros que nos confirmam que...?

Papo de A -... que não somos Deus, mesmo que queiramos leva-lo conosco. Nem merdas de insignificantes, “poeiras cósmicas”, “marionetes do poder...” alheio, nem também a “natureza pura” (pois se ela existisse seria ela mesmo uma manifestação de Deus): também deveria ser perfeita. Os erros anunciadores de nossa humanidade são manifestações insistentes que nos acompanham e nos aderem como tiques nervosos para manter-nos sempre lembrados de como não somos plenos como Deus, seja ele um Deus Tomas de Aquiniano, seja um Deus Kantiano, seja o pai seu que está na Terra. Ou aquela muleta-expressão que você usa num momento de desamparo: “ai meu..”

EB - mm.

Papo de A - Então são os erros que nos colocam no nosso devido lugar, do qual mesmo nos esforçando em sair, como joãobobos, para alçar uma importância suprema de controle da vida do mundo, esse lugar pro qual às vezes empacamos como um burroteimoso em chegar, quando não aceitamos a força-voluntariosa dos nossos desejos certeiros, nem sempre caminhamos bem com eles... Erramos. Nem lá, nem cá. Só humanos. Que erram.

Papo de A desliga o locutor que começava a anunciar no rádio: Slonovsky Bal, a banda de balcãos e franceses, que mistura as culturas européia e mediterránea, eslava e turca, em suas tubas, acordeóns festivos...

Clic.

Papo de A – Eu tava dizendo que...

EB - que...

Papo de A - que não são todos os erros que viram tiques, claro, mas os que viram, também, pobres não são, não revelam fraqueza de caráter. Os tiques de medo só nos indicam onde são nossos calos. Que tique é coisa de gente, homem, gente que falha, entende? Portanto gente. E tem a consciência cartesiana de que errou – e sente culpa. E culpa é falha que só gente tem. Portanto é coisa de gente: os tiques e os erros.

EB – é o homem que falha e se julga (...que falha)

Papo de A - Sim, a falha é o defeito, é o que cai. Do defeito não se vê no movimento retilínio, né?

EB - como

Papo de A - se Deus não quiser. É a outra ponta do perfeito. O único que pode não ter coerência. Nem o padrão industrial das máquinas, nem o padrão mágico de perfeito randomismo divino.

EB – você

Papo de A - Homem “muda de idéia”, o homem, porque intui, isso sim, como Deus, o pai da intuição, intui o que deveriam ser as “idéias” certas.

EB . Como assim? “Idéias” certas.? Só se fôssemos livres.

Papo de A - Sim! Só se fôssemos livres.

EB - você quer me complicar

Papo de A - Não. ... Tudo bem. Ai já é mesmo outra história bem longa.

EB abaixa a cabeça e dá um longo suspiro. Gira ON a manivela do rádio. Slonovsky Bol ainda está tocando uma música cigana dos balcãs.




Todos os direitos reservados.