A importância de esquecer
São muitas coisas prá lembrar. Mas muitas, muitas mais pra esquecer. Não é que eu acredite, como Rubem Alves, que a gente precisa esquecer tudo que sabe pra aprender uma coisa nova, qualquer coisa. Mas é que ando percebendo a artrose que vai dando nos nossos impulsos quando a memória vai ficando carregada de tantas lembranças, arquétipos, formas e moldes que vamos arquivando pra sobreviver no mundo. As fórmulas com que pretendemos enrolar a vida pra não ser pisado por ninguém. Como assim: formuletas ingênuas, modos ideais que nos poupam do esforço diário de recriar interações, reações, novas intenções, mesmo que para velhos embates. Não se trata de ser só simplesmente “flexível”, nem se esforçar para incorporar um fake-espírito “forever Young”. É esquecimento mesmo, a palavra. Esquecer como nos posicionamos na cadeira austeramente pra não alongarmos demais o pescoço ao ter de atender o telefone, esquecer qual o lado do rosto que nos favorece e parar de “posar” numa simples conversa, ainda que não saibamos que o estamos fazendo, Esquecer de como éramos lindos e magros naquela época (foi depois disso que meus problemas começaram?). Esquecer de como funcionou bem fazer um tipo durona naquele episódio em que aquele cara lindo acabou se apaixonando por mim – e que aquela história que eu queria tanto que ainda existisse não foi pra frente na mesma época em que resolvi ser mais sincera em tudo. Esquecer que fomos crianças super espontâneas e cheias de “vocações”, que sempre ouvíamos dos “grandes” que ainda íamos “dar o que falar” – e que agora – dei? Não dei? E que agora se falam de mim é preocupante e serve, pasmo-me, pra regular a válvula mantenedora da lapidação do meu ego rumo ao right way of be...ai. É isso. Hoje acordei com muita vontade de diferença. E, surpreendentemente criativa pra fazer uma vitamina de café da manhã, uma vitamina de abacate com leite que quase sempre vomitei quando fui obrigada, durante toda a infância, a tomar, nauseada, tampando o nariz, tragada pelo olhar inquestionável da minha mãe. Dia sim, dia não. Hoje quis o abacate. Acordei com de-se-jo de abacate. E em uma fração de segundos um sinal amarelo acendeu na minha cabeça. O sinal da coerência. Plim. Tóim. Ai foi ruim. Porque pensei 5 vezes antes de fazer a vitamina, e 15 antes de tomá-la, pois pela lei natural de um pensamento “maduro”, ou da maturidade mesmo, eu deveria rejeitar a vitamina, já que agora sou dona do meu nariz- e posso optar. Mas...quantos alongamentos morais eu não estaria me permitindo se tivesse me liberado da memória pra, sem muitas delongas, seguir o desejo e tomar aquele bem-maldito copo de abacate com leite sem ter de passar por mais essa tortura psicológica que colocava em questão pelo menos 5 das minhas capacidades de ser – e já havia tomado a metade da minha manhã. Foi ai que pensei na importância de esquecer.
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