Blog de frestras. Não é diário íntimo. Para jogar as imperfeições no circo, desentupir excessos, fazer uma calçada.

terça-feira, maio 12, 2009

O jardim dos outros ou Um abandono por dia


Pequenas escolhas ao longo da vida. Cotidianas. E grandes escolhas. Que podem definir a vida, a cada segundo. Assim é cada passo, cada respirada, cada pessoa que se escolhe olhar no fundo do olho, ou desviar. Uma piscada na hora imprecisa e o resto da vida sem saber o que seria se aquele movimento lá atrás tivesse sido feito com outra intensidade. Mais forte. Mais fraco. Mais atento. Mais relaxado. Estímulos opostos o tempo inteiro sussurando demoníacos: relaxa. Estende. Deixa a vida te levar. Presta atenção nas oportunidades. Seja espontâneo. Seja grande. E nada nada é garantia de nada. Só a certeza de que cada gesto contém a anulação dos demais possíveis. Dois corpos não sobrevivem no mesmo espaço com intenções diferentes. Um passo a frente e necessariamente se desbrava outro lugar. E quando o outro corpo é um corpo de amor, cada piscada diferente no tempo tem a chance de mandá-lo embora do espaço. Ou fazê-lo escolher o seu lado prá sempre. Um olhar diferente e se mata e se salva um grande amor, prá sempre. Que o tempo é relativo, nele cabe o prá sempre, no espaço não. Escolher prá durar no mundo, mas nunca, escolher é ter o mundo inteiro aos nossos pés. Uma piscada e se nasce e morre de novo. Morrem e nascem milhões de possibilidades de vidas que só podem ser vividas quando se abandona alguma coisa, por outra. Todas as coisas que não cabem no tamanho que a gente tem. Vidas não cíclicas que se iniciam com arritmia, segundo a duração das piscadas, ousadas, covardes, intermitentes, inexistentes. Tem gente que não pisca, e fica cego da luz dos mundos. E só se encanta com o jardim dos outros. Andar vivo é abandonar coisas alheias. Escolher é abandonar vidas. Viver vivo é ter menos e escolher mais, pro que o mundo te aconselha a ter: tudo. A cada passo, uma unidade de desejo. Viver a vida de gente, com aquele pouco que, no entanto, é nosso à vera: escolhido em beiradas singelas do dia, sem fuga, pelas piscadas que apostam na única equação sem dúvida: viver escolhendo e matando promessas todos os dias.