Blog de frestras. Não é diário íntimo. Para jogar as imperfeições no circo, desentupir excessos, fazer uma calçada.

terça-feira, novembro 07, 2006

Como viver juntos, em Sampa

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Fui a bienal e voltei assim assim. Gostando. Achei corajoso o posicionamento dessa vez por uma linha assumidamente comprometida com a realidade. Claro, em toda a irrealidade, surrealidade e multirealidade que as experiências num mundo "global" permitem explodir. Achei corajosa a opção pela curadoria de uma arte não que tenha pânico de imitar, pois essa já morreu mesmo há muito muito, nem de transgredir, pois essa não é também sua compulsão compulsória, mas que ostensivamente deve refletir, discutir e incitar à vida, essa parece ser a proposta dessa edição. Assim né, no meu empolgado olhar, o tema "podemos viver juntos?", “como viver juntos?”, algo assim, nem propõe raspar as arestas das diferenças pra ver se o que sobra é plausível e tolerável a se compartilhar, nem discursa sobre o valor destas diferenças na aceitação de um mundo necessariamente multicultural. Ela simplesmente dá voz a quem questiona determinados modos de existir. De um jeito até radical. Não à toa, somente um americano lá a opor-se a qualquer coisa. ô, maldade...Mas é fato que quem tava lá pleiteia determinadas formas de existir. Não se satisfaz em deixar-se levar pela vida, vida leva ai, pelo contrário, essa curadoria legitima e propõe um olhar que se foca na indignação, no espanto e no relato dos processos de fragmentação e reconstrução, algo conscientes, da existência. No sofrimento diante das novas ordens mundiais. Vi uma porrada de toques de recolher, de últimas chamadas, de diálogos limítrofes antecipando atentados às porradas. Gritos que certamente incomodam uma sensibilidade desacostumada à arte que não pura estética. Também o exagero da arte-conceito. Da arte-projeto. Da arte performance. Mas, apesar disso, sem deixa de afetar os sentidos, ela parece dizer não às sensações que morrem na obra seguinte. E sim aos sentidos da significação, das razões das coisas, do rumo. Ou assumir, em casos mais desesperançosos, que nenhuma delas pode explicar um mundo inexplicável, mas experimentável, isso sim, extremamente experimentável. Esta bienal projeta também solidariedade. Abusando do seu poder institucional nato, na curadoria, assume isso ao dar a entender serem muito mais importantes os projetos e processos pelos quais as obras passaram e procuram refletir, com que atores? Com que causa? Sempre uma causa em que alguém foi oprimido. Questionando o que? Contra quem. ...do que a beleza e impacto do suporte, linguagem e técnica escolhidos. Uma bienal de narrativas, versões. Que conta histórias, biografias, faz radiografias de todos os tipos. Diagnoses e promessas de novas formas de sobreviver, existir e superexistir, para, então, dar um magro dedo mindinho ao tapa pra pergunta: poderemos viver juntos?


Pra mim, ir a essa bienal foi me afundar nos mundo, só o que quero.
E
emergir, ainda sem saber direito qual e se o
necessário engajamento da arte,
se ela serve mesmo à realidade,se, mas na certeza de que, isso sim,
ela re genera a vida.


Sampa, madrugada de 6 de novembro.

Foto: Guy Tilim, registrando Luanda.