Blog de frestras. Não é diário íntimo. Para jogar as imperfeições no circo, desentupir excessos, fazer uma calçada.

quarta-feira, agosto 30, 2006

Stop drop and roll

Pobre menina: despertou sozinha no meio da noite e se deu conta de que fazia tempo que não sonhava com hippismos nas praias do nordeste. E que mesmo os novos sonhos de tomar café africano com passaporte europeu estavam cada vez mais pobres de espírito. Choramingou. Pegou o celular: 3.30am – uma-chamada-não-atendida. Por que os chocolates sempre acabavam depois do último dedo chupado? Já aquela merda de mancha de vinho no sofá nunca vai sair. Tamanho desgosto, virou para o lado e não dormiu.


Pegou de volta o telefone, mas não sentiu vontade de ligar práquele novo amor que talvez não se tornasse mesmo um novo amor. Chamada-não-atendida. O livro de estudos culturais na cabeceira lhe pareceu bem menos interessante que na noite anterior. A mais atraente visão do quarto era mesmo a jaqueta jeans reciclada jogada na cadeira. A mesma da noite anterior. Pegou a única chave que precisava, empurrou os últimos jornais não lidos para o canto da sala e bateu a porta de madrugada, enquanto assentava o cabelo, esse sim, tinha dormido a noite toda. Foi andando pela calçada molhada avaliando se precisaria de guarda-chuva. Não precisava. Que mesmo seus tênis patinando pelo quarteirão abandonado dava pra ver que os cachorros tremelicantes já secavam, e que nada pingava de graça no asfalto. Nem os olhares das adolescentes drogatitas que de certo lhe dariam um chupão no pescoço se lhes retribuísse o sorriso debaixo da árvore. Deus lhe livrasse de qualquer ataque de amor no escuro. Se era o caso, sabia onde poderia ir para não estar sozinha-sozinha, mas resolveu fazer o caminho mais longo para passar na porta daquele pobre rapaz que antes lhe dava frio na barriga pra ver como a dita cuja se comportava e, surpresa, surpresa, triste surpresa: nem sinal de movimento peristáltico. Puxa vida, mas será que nem uma boa e apaixonada lembrança de desilusão lhe seria dado viver naquela noite cor de burro quando foge? Entrou no bar “dos amigos”. Todos semi-felizes, semi-novidosos, semi-trabalhadores, semi-inteligentes, semi-interessantes. Semi-amigos. Mesmo assim, resolveu ficar e observar como os amigos dos semi-amigos achavam sua jaqueta interessante, onde é que ela tinha comprado. Pediu um conhaque vagabundo só pra tirar onda e ver o que eles, ah, mas você toma conhaque, que legal!, achavam de uma garota que chega sozinha assim de madrugada com cara de quem não sonha mais nem com hippismos nas praias do nordeste, nem com discussões sobre a pós-modernidade com café africano e passaporte europeu e recicla jaqueta jeans e não lê o jornal inteiro, mas que ia voltar pra casa e dormir de novo e acho que vou tomar o conhaque, e essa porra é ruim mesmo, ui. Ah você escreve, ah acho que vou voltar pra casa, minha casa é muito boa. Ah você e o nordeste... A conta, a conta por favor, ah mas por que você não fica mais um pouco, eu te levo em casa, eu te levo em casa, eu te levo em casa... ah porra! Ninguém me leva em casa, caralho. Calma. Sim, calma. Ansiosos são eles, todos com seu marlboro light nos dedos, todos com seus piercings tatuados querendo encontrar seu verdadeiro amor sem ter que olhar muito na cara de ninguém. Estou calma, o que você dizia? Garçom, mais um conhaque.

Estava na cara de quem vê, a noite parecia mesmo bem medíocre, seria uma noite bem dormida a menos, é evidente que podia mesmo não valer a pena essa noite medíocre mal dormida, mas...mas. O conhaque começava a descer suava e tudo começou a ficar divertido quando uma última baforada de marlboro do gatinho de óculos de grossos aros e cabelos com pomada pra dar ao cabelo a autêntica cara de sujo na sua cara lhe fez descobrir que a yoga finalmente lhe havia ensinado a prender o fôlego de verdade. E a abstinência acelerando o pensamento lhe fez lembrar que o mundo da música é infinito, que o Brasil é um país solar e que, para os grandes, a memória é a melhor amiga de um desperdício de presente. Pode me levar prá casa.